quarta-feira, 10 de agosto de 2011


PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES DA LATA DO LIXO
André Leite Ferreira

Três acordes mágicos e nunca estivemos tão perto e tão distantes da liberdade antes de tudo isso. O caos urbano, a cidade monstro de pedra e cal engolindo seus filhos, devorando sempre tudo. E tudo sem parar. Eis que eu vos apresento a flor que foi cuspida do asfalto. Flor, esta, que também foi escarrada para jazer na lata fétida do lixo dos esnobes burgueses falidos de memória e história. Eis que eu lhes apresento o Punk, o movimento mais radical de contracultura desde os Futuristas, Dadaístas. Desde os Lúditas, que o mundo já mais imaginou em conceber a verdadeira pedra no meio do caminho dos conformados presunçosos das fétidas cidades do planeta.
Kamikazes encantados, anjos rebeldes de jaquetas e rebites, loucos alucinados de cabelo espetado, calças rasgadas, coturnos e consciência viva, filhos bastardos da cidade e do caos, cultura de combate agressivo, sem passividade, ou achismos. A botinada é certeira no meio das fuças do sistema coagulado e amorfo cheio de si. Isto é apenas o começo do fim. 
O livro de Antonio Bivar O que é Punk, lançado pela editora brasiliense, traz na contracapa da sua 4ª edição de 1988, a seguinte definição de Punk: “Punk, antes de ser música, é uma atitude. É um modo de dizer: NÓS NÃO NOS IMPORTAMOS. Punk é kamikaze. Sid Vicious foi kamikaze. Foi, em seu tempo, a encarnação do punk. Foi o próprio”.   Apesar de não concordar com toda a definição, por óbvias questões políticas, concordo quando, ele diz que o punk é uma atitude, antes de ser música, assim como quando ele coloca o ser punk como um kamikaze. Ser punk é sempre estar em busca do infinito quase suicídio. Pois o punk surge de uma necessidade de extravasar todo o niilismo que a juventude, naquele momento, estava sentindo diante de um mundo consumido pelo medo e o terror de duas Guerras Mundiais e da chamada Guerra Fria, o mundo estava ruindo, o caos se expandiu sem controle.
O punk é o produto de uma sociedade falida. A pós-modernidade fragmentou as identidades e em meio aos cacos surgem estes seres. E estranhamente, espinhosos e rudes. Mas também, extremamente sensíveis e coerentes guerrilheiros das causas perdidas. Os verdadeiros viajantes das galáxias. Cosmopolitas por natureza. Os fantasmas do pós-guerra. Os herdeiros das ruínas e das cidades destroçadas. Capazes de sobreviverem nos esgotos. Filhos de Genet e Artaud. Anjos de asas negras e sexo aflorado, no fim do mundo, pois o último orgasmo se prolonga. O gozo é o paraíso. As ruas também.
É no bojo deste mundo pós-moderno que o punk surge. Ácido e rápido, como a vida. Apenas um rastro. Nesse sentido, podemos colocá-lo como um movimento radical e agressivo, que não perdoa ninguém, nem a si mesmo. Já que não existem inocentes. Antonio Bivar ilustra o capítulo intitulado IMPLOSÃO/EXPLOSÃO do livro O que é Punk com uma frase curta e grossa de Johnny Rotten, que ilustra muito bem o que acabamos de expor acima: “Nós não estamos interessados em música. Estamos interessados em caos”. E assim, o punk se alastra pelo planeta, devorando e sendo devorado pelo caos, o fim está próximo.
De volta à realidade o documentário Botinada – A origem do Punk no Brasil, de Gastão Moreira, ex-VJ da MTV, é na verdade um recorte do punk no país. Digo recorte, porque existiam punks em vários outros estados neste mesmo período (1976-1984). O problema era que havia pouco contato entre os mesmo. Além de um bairrismo, que, diga-se de passagem, existe até hoje entre os pumks brasileiros. Entretanto, penso que não interessa diretamente onde o punk surgiu no Brasil ou mesmo no mundo, o que importa é que ele surgiu. E vive até hoje. PUNKS NOT IS DEAD. O punk não morreu, nem vai morrer tão cedo, mesmo que o mundo continue quebrado. O Punk é Duro e continua a se alastrar.
Em pouco mais de 70 minutos o documentário traz alguns momentos históricos importantes do punk, principalmente do punk paulistano. Contudo, existe no material extra, algumas entrevistas dadas por punks de Brasília e do Rio Grande do Sul, que viveram o momento retratado no documentário. Porém, esse trabalho é um registro importante e básico para quem quer conhecer o punk no Brasil. Além de imagens históricas, o mesmo traz também, entrevistas atuais de quem estava envolvido no processo. O mundo ainda não acabou.
O mundo ainda não acabou, o punk também não. O espírito DO IT YOURSELF continua vivo e aceso. Continuamos a fazer nossas próprias canções. Nossos próprios shows e eventos. Nossos zines e camisetas, incentivando a consciência de luta e de classe, divulgando a ANARQUIA e não a desorganização. Mas, tentando fomentar uma idéia de auto-organização como forma de mudança e de revolução. É, o mundo ainda não acabou. Mas, o primeiro passo já foi dado, pois, a cegueira do homem é extremamente crônica.
Desde O COMEÇO DO FIM DO MUNDO, o festival, nada mais foi como antes, nem mesmo o PUNK no Brasil e no mundo. O mundo ainda não acabou, mas o começo do fim do mundo, já começou, isso só pra não dizer que não falei das flores na lata do LIXO.


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