sexta-feira, 5 de agosto de 2011

SID & NANCY: UM ROMANCE PUNK
Fernando Campos

Um frenesi niilista começava a tomar forma contrapondo o artificial delírio da sociedade de cultura burguesa representada por uma bem comportada e hipócrita classe média que jazia incólume sob uma redoma que a separava convenientemente do crônico caos da rejeitada classe operária pobre e rude dos sub-subúrbios londrinos. À margem desse contexto – ou mais próximo disso!- surgem os SEX PISTOLS. Ou pelo menos desse cenário saem os membros controversos e cínicos da banda que para muitos é responsável por desencadear o Movimento Punk europeu em sua concepção estético-musical e comportamental, obviamente, guardadas as devidas proporções. Entretanto essa é uma questão muito complexa, o que demanda um conteúdo mais amplo e essa é uma outra história.
A cólera Punk objetivava agredir a estanque realidade cultural européia dos anos de 1970. A pasmaceira idílico-pacifista da era HIPPIE. Musicalmente o Rock estava entre a grandiloqüência erudita do Rock Progressivo e a crise de identidade dos mega astros do Rock’in’Roll, além da crescente onda Disco, totalmente comercial e destituída de valor criativo, mera distração musical. Muito embora, muitos dos astros de Rock da época tenham flertado com essa modalidade. Nesse ponto o Punk pode ser considerado um elemento de ruptura com um forte apelo iconoclasta.
A desilusão urbana diante da confirmação do estertor da farsesca civilização Ocidental se exteriorizava como um esporro impetuoso manifestado através do comportamento violento dos punks numa euforia insana. O tempo de suas vidas não era medido por nenhum relógio. Ele desaparecia sem ser percebido. Restavam ruínas de0 fragmentos que (de)formavam distâncias confusas entre os eventos.Tudo o que importava era o TEMPO PRESENTE. O AGORA. Era um pesadelo artificial, mas REAL. Nada de sonho. Nada de futuro.
A paisagem da cidade era uma melancólica combinação PRETO, BRANCO e CINZA. Uma reprodução de imagens em cópias Xerox que expressava bem os contrastes sociais percebidos na concretude das superfícies duras de prédios, ruas e casas, que muito se assemelhavam a um conjunto retilíneo de simetria mórbida como uma necrópole.
Desse meio é que surge Sid Vicious. Um modelo de autodestruição sem qualquer sinal de autocontrole. Com uma percepção demasiado básica e um comportamento instintivo que o impelia contra tudo aquilo que a sociedade britânica representava, ou seja, tudo aquilo que ele desprezava. Tudo a sua volta era considerado tedioso. Vivia repetindo: TÉDIO! TÉDIO! TÉDIO! Chocava-se contra tudo. Literalmente, lançava seu corpo contra todas as coisas e contra todos, às vezes sem fazer nenhuma distinção. Vociferando impropérios com freqüência. Constatação da falta de perspectiva de identidade cultural com aquele momento histórico tão vazio. Estava num processo deliberado de desintegração motivado pelo desequilíbrio da sociedade industrial. É como se ele tivesse realizado uma auto-análise relâmpago e feito a seguinte pergunta: “Como fazer escolhas quando não existe mais do que uma opção?” Então parece decidir-se: “Se a vida é curta então eu vou viver RÁPIDO”.
Com a saída de Glen Matlock da banda, Sid Vicious assumiu o contra-baixo e tornou-se o núcleo expressivo central dos Sex Pistols. É nesse momento que aparece Nancy Spungen que torna-se a namorada dele, e a partir daí se potencializa (elevada a máxima potência) o desregramento psico-físico-emocional dos dois desajustado pelo uso freqüente e de volumosas quantidades de heroína que para o relacionamento deles viria a se tornar o catalisador e sustentáculo da permanência transitória no mundo.
No filme de Alex Cox isso fica bem evidente. Os pequenos conflitos casuais evoluíram tornando-se cada vez mais violentos dentro de um panorama doentio de fruição artificial dos efeitos das drogas sobre os sentidos o que converteu-se no ato final com a morte de Nancy.
Sid e Nancy é um drama acima de tudo. O drama de dois jovens que diante da explosão do Movimento Punk se lançaram para dentro do abismo numa queda em alta velocidade. Onde suas vidas não tiveram intervalos de lucidez. Nem seqüências. Um despropositado niilismo existencial, sem nenhuma consciência do que isso poderia significar. As vezes pareciam ingênuos, quase infantis (Nego-me ao apelo melodramático barato de chamá-los de vitimas) diante de uma sociedade que falha ao oferecer garantias de Justiça, Igualdade e Liberdade, o que leva a todos a forjar isso a sua própria maneira. Fazer por si mesmo, “DO IT YOURSELF”. No final Sid e Nancy reconhecem a sua incapacidade de lidar com a situação. Portanto, pendem vazios para fazer a única escolha buscando a única saída para a sua dor e desespero: a Morte. Pois para quem EXISTE o pior não é morrer, mas, permanecer vivo.
É evidente que não se pode ignorar a contribuição de Alex Cox, uma testemunha (não ocular) fiel daquilo o que pôde ouvir e assistir e até conviver e ainda tirar dos depoimentos de testemunhas oculares (fiéis). Um punk diletante conservando a característica de insubmisso, que expõe os fatos com extrema visceralidade e verossimilhança. Porém existe no filme um momento que parece ser conseqüência do criativo experimentador latente que repousa no seu atormentado gênio. Uma expressão que demonstra que a BELEZA é uma intervenção abstrata que está distante de ser convencionalizada pela falida tradição artística. A cena do beco em que o lixo aparece caindo em câmera lenta, em meio a sombras pesadas, que parece estar gravitando entre o céu poluído dos guetos nova-iorquinos e o chão, num tipo de lirismo sujo absolutamente adequado a proposta estética Punk.    


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