quinta-feira, 14 de abril de 2011

Tchello d’Barros entrevistado para o blog Pindorama pelo editor André Leite Ferreira (Belém PA)
Abril 2011
 
 ALF – Quais são as linguagens artísticas em que você trabalha?
T. d’B. Trabalho principalmente com Artes Visuais e Literatura. Na visualidade tenho realizado exposições de desenho, pintura, infogravura, fotografia, instalação e alguma produção em vídeos experimentais. No paralelo sempre acontece alguma adaptação dos trabalhos atendendo as demandas das chamadas Artes Aplicadas, onde as criações são adequadas para produtos em Moda, Decoração e Artes Gráficas. Já no campo literário, produzo textos em Prosa e Poesia, com crônicas,  contos, literatura infantil, artigos, resenhas, alguma dramaturgia e relatos de viagens, sendo que na poesia tenho alguns livros publicados onde priorizo algumas formas-fixas de poema, como haicais, quadras, sonetos e cordéis. E ainda há uma produção mais experimental também, como os Ideogramas Ocidentais, Poemínimos, Labirintogramas e a Poesia Visual. Mas nada é tão estanque nesses limites, vez em quando essas produções estão flertando em parcerias com o meio musical e teatral, principalmente.

ALF – Poderia comentar sobre suas principais influências?
T. d’B. .O que talvez possa ser percebido como influência nessas exposições que já somam quase duas décadas de produção, são elementos de escolas visuais que sempre me interessaram, como aspectos estéticos do período áureo do Renascimento (anatomia, perspectiva, chiaroscuro, composição, etc). Também alguns elementos do período da Pop Art (entre eles a Optical Art) e mais recentemente algumas fases do Concretismo e Construtivismo brasileiro, principalmente nas séries de geometria formal abstrata que tenho produzido. Então, não diria que haja diretamente influências, mas talvez confluências entre linguagens, períodos e estilos. Na fotografia, limito-me a mencionar alguns fotógrafos referenciais, como Robert Doisnot, Pierre Verger e Henry Cartier-Bresson. Já na seara literária, sempre me interessou a poesia de cunho popular e também – talvez paradoxalmente – a poesia experimental, como os Beatnicks, a Poesia Marginal dos anos setenta, os franceses do Séc. XIX, as propostas dos manifestos vanguardeiros em geral e por aí vai.


ALF – Como se dá sua atuação nas artes visuais?
T. d’B. . Se dá principalmente como artista, produzindo mesmo. Mas vez em quando surgem atividades paralelas, como ministrar uma oficina aqui, um curso acolá, ser júri de algum certame, realizar eventuais curadorias, palestras, coisas assim. Vivemos em um país onde este segmento necessita ainda amadurecer muito, há muito que se fazer para diminuir a lacuna histórica que nos separa do nível que encontramos nesse setor em outros países. Por força das circunstâncias, muitas vezes o artista acaba se envolvendo em questões de militância cultural para exigir políticas públicas que atendam as demandas do setor e propiciem o acesso à cultura por parte da comunidade, da sociedade. Nesse sentido já atu(r)ei como voluntário em associações de classe e como colaborador para o Colegiado de Artes Visuais do Minc e Funarte. Acredito que essa cena mude quando avistarmos políticos frequentando exposições de arte...


ALF – E qual sua atuação no campo da Literatura?
T. d’B. . A Literatura é um campo vasto, onde a gente acaba se envolvendo em muita coisa, dada sua complexidade no sentido de se chegar a publicação e distribuição do texto. Para além da produção enquanto autor, sempre estive envolvido na criação de projetos literários diversos, como: ações culturais alternativas, performances, intervenções, realização de congressos, oficinas, palestras, viagens coletivas às principais bienais do livro, publicações independentes, debates, intersemiose com outras mídias e linguagens, edição de antologias, projeções multimídias, web-arte e mais um caudal de discussões, ações e publicações – que na verdade acho que não vai parar tão cedo! Hoje está tudo mais fácil, tudo tão digital, tão virtual. E por isso mesmo não pretendo parar de realizar ações onde as pessoas possam se encontrar, mediadas por esse miasma abstrato, que na falta de nome melhor, ainda chamamos de Literatura.

ALF – O que é um cordel contemporâneo?
T. d’B. . A rigor seriam os textos escritos a partir dos cânones da chamada Literatura de Cordel (que alguns ainda acreditam se tratar de uma arte menor) produzidos na atualidade, em nossa contemporaneidade No entanto creio que talvez a questão se amplie se pensarmos que a partir do advento da Internet, houve uma retomada na produção desta forma-fixa de poema, uma das mais tradicionais em nosso país gerando algumas mudanças no que até então estava estabelecido. Baseado em pesquisa de campo, colecionismo e referenciais teóricos podemos considerar algumas premissas: primeiro que, para orgulho dos nossos irmãos nordestinos, os poemas de cordel são praticados hoje em todos os Estados do Brasil. Por outro lado temos o acesso à hiperinformação por parte dos próprios cordelistas e repentistas (nem sempre um cordelista é repentista e vice-versa), que vêem TV à cabo e tem acesso à Internet, isso significa uma ampliação nas temáticas abordadas em seus versos, tratando de política internacional às celebridades do mundo Pop. Há que se notar que muita gente formada em faculdade hoje está produzindo cordéis também. E por fim, o lado menos interessante que é a descaracterização das métricas, dimensões dos poemas e desvalorização da casadinha com as tradicionais xilogravuras, que ainda hoje emprestam um charme todo especial à produção dos cordéis autênticos.

ALF – Qual o papel do escritor Jorge Luís Borges em sua trajetória?
T. d’B. . É meu autor preferido. Já cheguei a me perguntar que graça teria em ter passado por essa vida sem ter conhecido sua obra. Com Borges aprendi muito sobre a vida literária, sobre o prazer hedonista da leitura, sobre a necessária humildade nesse meio, sobre a importância de instruir-se técnica e teoricamente. Já li sua obra completa em Português e em Espanhol. Recentemente tenho lido alguns contos no Inglês também. Minha exposição de infogravuras intitulada Labiríntimus – que realizei em Salvador BA, a primeira numa galeria de arte particular – é uma homenagem a este argentino atemporal e universal que apreciava a temática dos labirintos. Fico imaginando o dia em que se popularize no Brasil - pois por enquanto é conhecida mais no meio literário e acadêmico – a obra do velho bardo portenho, que afirmava que “a literatura existe para a felicidade humana”..

ALF – Que importância tem o poeta visual Joan Brossa na sua poesia?
T. d’B. . Creio que esse poeta catalão merece todas as nossas homenagens, pois é um dos pais da Poesia Visual, já a praticava antes até deste termo existir. Penso mesmo que é um dos fundadores da poesia experimental do Séc. XX, não no sentido cronológico, mas inaugural. É comum os praticantes de Poesia Visual pagarem algum tributo ao velho e bom Brossa, geralmente utilizando em seus trabalhos a famosa letra A, tipo Arial, que ele utilizava com certa frequência em muitos de seus poemas visuais. É como dizer: “_Obrigado, mestre, por nos ter mostrado este caminho”! De minha parte, ainda que modestamente, certa vez fiz uma exposição individual de minha produção de Poesia Visual, a hoje itinerante mostra “Convergências”, na ocasião, em uma galeria de Maceió, sendo que a mesma tinha uma árvore dentro do espaço expositivo. Pois fiz uma instalação isolando a árvore com plotagens exibindo centenas de caracteres com aquela letra A do Brossa, e dezenas de “Azinhos” adesivados pelo chão... Gracias, maestro!

 ALF – Poesia é militância?
T. d’B. . Prefiro pensar que a Poesia pode (não deve obrigatoriamente, mas poder, pode) se inserir também no âmbito político-social – pois arte é antes de tudo atitude – desde que esse engajamento não se transforme em mera panfletagem. A arte muitas vezes reflete a visão de mundo (e do homem, e da vida) de determinado artista e este é um ser político, inserido num sistema capitalista, numa sociedade consumista que esse ser questiona e tenta transformar com as ferramentas de que dispõe: a linguagem artística na qual se expressa. Há quem negue essa função na Arte (Arte não teria que ter função), no entanto é inegável que alguns dos melhores momentos da poesia do século passado – no Brasil e no Mundo - se deram no campo da militância, do questionamento, do enfrentamento de escalas de valores ,modos de vida e sistemas políticos. Não estamos no espaço-tempo de Maiakowski, para escrever canções de protesto e palavras-de-ordem para marchar. Porém, neste tempo de tuitadas e blogâncias, o homem hodierno se vê diante de questões como a bioética, regimes totalitários ainda viscejam em outros continentes, a Lua já anda sendo repartida para futura exploração imobiliária, os relacionamentos cada vez mais virtuais, o inchaço urbano das megalópoles, a violência de gênero e tantas ourtras questões que fazem ferver o sangue de muito vate contemporâneo, que não se dá ao luxo de solenemente ignorar a realidade circundante. Como dizia o Leminski: “Em La lucha de classes / todas las armas son buenas / piedras, noches, poemas”.

ALF – Conte um pouco da mostra de Poesia Visual que você realizou na Galeria de Arte Graça Landeira (realizada na Univ. Unama em Belém de dezembro 2009 a janeiro de 2010)?
T. d’B. . Foi a primeira vez que meu trabalho apareceu num espaço físico oficial da arte na cidade das mangueiras. Já havia aparecido um soneto meu há uns 10 anos, usado como brinde num casamento e depois o Edmir, do site Ver-O-Poema, havia publicado alguns escritos em meio online. Mas essa mostra supracitada, chamada Convergências, reúne uma seleção de minha produção em Poesia Visual, em formato plotado, tudo P&B e descartável após a exposição. É um projeto que tem a intenção de itinerar por todas as capitais brasileiras antes de ser apresentada em capitais nacionais dos países de nossa América do Sul. Belém foi a sétima cidade onde a série foi apresentada e tive a sorte de o trabalho ter sido selecionado para o espaço da Galeria Graça Landeira, um dos melhores espaços expositivos da cidade. No entanto, ao que me consta, desconheço alguém da classe literária que tenha ido ver a mostra, a primeira individual do gênero apresentada no Pará. Coincidência das coincidências foi, dois meses depois da mostra, eu ter vindo morar na cidade, que aliás, eu já havia visitado em outras oportunidades. E como havia o desejo de vir morar na Amazônia, escolhi a bela Belém, juntando o útil ao agradável.

André Leite Ferreira – Em que consiste a exposição fotográfica “Um Mundo Fenômenico” (realizada no IFPA de Belém PA em abril de 2011)?
Tchello d’Barros Trata-se de uma série fotográfica em P&B extraída de uma obra-em-progresso que já desenvolvo há alguns anos, constituída principalmente de fotografia-de-rua e relato visual de minhas viagens pelo Brasil e Exterior. A proposta inicial era realizar aqui no Brasil duas exposições, uma onde o ser-humano estivesse presente em todas as cenas e a outra onde houvesse a ausência física das pessoas e assim os objetos e cenários fotografados jogassem com a imaginação dos observadores. A primeira mostra ocorreu na Aliança Francesa de Vitória ES a segunda acontece no espaço de exposições da Biblioteca do IFPA de Belém PA. Mas o interessante na mostra em Belém é que a Equipe Pindorama, que realiza o projeto, atrelou outras produções minhas numa ação multilinguagens, envolvendo palestra, projeção de meus vídeos, sarau-de-bolso, colóquio, performance com meus poemas, sessão de autógrafos com meus cordéis e a exposição propriamente dita.  Considero interessante esse formato pois assim o público interno e externo da instituição tem um acesso mais amplo à produção de determinado artista.

ALF – Como você tem atuado no meio cultural de Belém?
T. d’B. . Acredito que ainda de uma forma muito discreta, pois tenho dirigido os esforços para meu trabalho acontecer em outros espaços no país, incluindo participação recente em três exposições fora do Brasil, duas em Portugal e uma na Espanha, além de inclusão em mostras de São Paulo e Rio de Janeiro. Aqui no chamado Portal da Amazônia, tenho optado por ser mais um fruidor, um expectador, frequentando os vários cineclubes, as peças de teatro, exposições, shows e lançamentos de livro. Mas tenho tido o privilégio de declamar poemas em eventos do Movimento Literário Extremo Norte, onde participo como convidado dos poetas Apolo de Caratateua e Renato Gusmão. Outra atividade é a produção autoral no Espaço Cultural Corredor da Amazônia, cuja proposta é a do Intermulticulturalismo, onde participo do programa de residências artísticas. No paralelo, tenho editado uma revista para o segmento empresarial, onde na medida do possível, tenho inserido matérias sobre a produção artística local.

ALF – Como é para um sulista viver na Amazônia?
T. d’B. . É um pouco difícil às vezes por conta dos significativos contrastes culturais e comportamentais. Mas acho que tenho tido sorte, pois em Belém há essa postura acolhedora, uma hospitalidade que deveria servir de exemplo para outros lugares. E o pessoal tem tido paciência com meu carregado sotaque do Sul, é que não me sinto um catarinense vivendo no Norte, me vejo apenas como um brasileiro vivendo no Brasil, simples assim. Mas a saudade do sabor amargo do Chimarrão é suplantada pelo apimentado Tacacá, o Churrasco pelo sabor do Filhote na grelha, o Apfelstrüdel pelo Açaí, o Camargo pelo suco de Cupuaçu  A saudade da neve é encharcada pelas diárias tempestades tropicais e o gélido vento Minuano por um calor úmido que o corpo teima em se acostumar com esses abraços suados daqui... Em vez de Milongas e Vaneirões ouço Bregas e Guitarradas, em vez da Tchê-music ouço o Tecno-melody, em vez da poesia popular de Jayme Caetano Braun leio as trovas de Juraci Siqueira, em vez das obras visuais de Juarez Machado, comprazo o olhar com as criações de Emanuel Nassar, e por aí vai. É muito contraste.  _Égua, mano! Tu é doido...




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