domingo, 19 de setembro de 2010

TEMPO E IMAGINAÇÃO

Fernando Campos


, parafraseando o estilo de Clarice Lispector, que inicia o romance “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, dessa maneira, com uma vírgula, brusca e singular. Objetivando com isso construir uma idéia de (des) continuidade da narrativa (tendência que a distancia da linearidade discursiva habitual) alongando a linha do tempo dentro da concepção do texto. Estabelecendo a idéia de que o conteúdo do romance ocorria de fato, antes daquela vírgula, ou escrito. Ou vivido na vida das personagens ou na cabeça do autor numa realidade-ficcional-literária.

O filme “Antes do Amanhecer”, de Richard Linklater, (EXIBIDO NA ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA: PINDORAMA CINE-EDUCAÇÃO DO IFPA, na última sexta-feira, 03/08/2010) chega ao fim com as personagens confirmando uma data para um novo encontro. Os dois se despedem e seguem em trens diferentes para direções diferentes.

Como no romance de Clarice Lispector, o tempo e o espaço são dissolvidos, promovendo uma nova interpretação de seu sentido. Estabelecendo um estado de devaneio. Fornecendo material para a imaginação. Criando um argumento sobre o tempo entre os dois acontecimentos. O que ocorreu entre o Antes do Amanhecer e o Antes do Pôr-do-sol na vida das personagens. E das pessoas que assistiram ao filme.

Jesse e Celine tentam fazer um retrospecto dos eventos ocorridos em suas vidas durante os nove anos que ficaram longe e sem nenhum tipo de contato.

Contudo, eles somente conseguem fazer uma pequena intervenção nas ruínas de suas memórias. Lembrando de empreendimentos. Frustrações. Desencontros.

Na verdade ficam deslumbrados ou desconcertados com o seu inesperado reencontro. A emoção demonstrada por eles através de gestos e expressões é a mesma. Parecem mais maduros e independentes, ainda que meio envoltos em uma aura pueril, o que não impede de deixar evidente que o sentimento entre eles permanece o mesmo. Perpetuado pelo traçado imaginário deixado por eles pelos caminhos que percorreram em Viena, quando se conheceram.

Os diálogos entre os dois continuam inteligentes, apesar de terem se tornado um pouco menos contundente.

O aspecto de produção independente do diretor, dos roteiristas e colaboradores, no caso, Ethan Hawke e Julie Delpy, que além de atuar, ajudaram a escrever o roteiro e improvisar durante as filmagens, continua nesse novo filme, quase como um reforço estético do primeiro filme.

É todo ambientado em Paris, usando locações menos “turísticas” e bem mais interessantes. É curto. Como um conto. Novamente é sobre um dia na vida das personagens. Sem desvios. Mantendo o foco nos dois sempre.

Um momento genial do filme (além da ausência de vícios do cinema convencional, como o “HAPPY END”) é bem no fim. Quando Celine (personagem de Julie Delpy) dança, ao som de Nina Simone, enquanto que Jesse (Ethan Hawke), sentado, a observa. A imagem vai escurecendo, lentamente, num efeito simples e o filme acaba, deixando na tela da imaginação, suaves reticências, uma doce incógnita sobre a transitoriedade efêmera e universal da existência das personagens e das nossas próprias existências também...



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