sábado, 4 de setembro de 2010

CINEMA COMO EXERCÍCIO DE SIMPLICIDADE


Fernando Campos


O volume massivo das produções da indústria do cinema mundial (concepção plástica hollywoodiana) obedece a um padrão comercial de filmes que serve para adaptar-se a expectativa do grande público que freqüenta as salas de exibição, incutindo nesse público uma espécie de “fruísmo alienado”, pois demonstram possuir uma tendência coletiva a considerar que toda a produção de cinema (e arte como um todo) deve convergir à mera função do entretenimento.

Não é uma idéia errada, é óbvio, que o cinema possa divertir. É possível veicular conteúdos que contribuam para distrair. Existe a modalidade de comédia que pode ter esse propósito. Muito embora, em algumas comédias haja conteúdos excessivamente imbecilizantes. Pua alienação e, muitas vezes permeado por um grosseiro mau gosto, que somente contribuem para deformar o juízo estético e inteligível do cinema. Na História do Cinema pode-se encontrar diversos exemplos de filmes com apelo cômico que aliam forma e conteúdo sem descuidar da estética cinematográfica: Groucho Marx, Buster Keaton, Charles Chaplin, etc. isso apenas para citar alguns.

O cinema é uma indústria. Funciona como um negócio dentro de um sistema de geração de lucro. Envolve interesses que estão além do âmbito artístico. Entretanto, sempre surgem grupos de resistência. Pessoas que procuram usar a arte como EXPRESSÃO e EXPERIMENTAÇÃO. É nesse contexto que surge a produção de cinema independente. Fontes alternativas de cinema, que se utiliza de todos os meios não convencionais e usuais disponíveis para produzir filmes inovadores. Reativos. Que promovem a renovação da forma e ampliação do conteúdo. Menos investimento capital. Mais envolvimento e entusiasmo.

É preciso conservar o idealismo artístico. Manter a postura de SONHO REVOLUCIONÁRIO. Assim vieram à tona os movimentos artísticos de vanguarda do passado. O cinema surgiu da experimentação fotográfica.

No filme “Antes do Amanhecer” do diretor Richard Linklaker, que trabalhou em associação com o ator Ethan Hawke e a atriz July Delpy, na composição do roteiro, que apesar de contar com o apoio da Warner Bros. Inc., o custo do filme foi baixíssimo.

É um filme de contornos independentes. Despretensioso. Sem nenhum tipo de discurso intelectual grandiloqüente, porém é, sem dúvida, um filme inteligente. Sem ser difícil. Não recorre a nenhum tipo de recurso filmográfico extraordinário. As personagens são leves e repletas de bom humor, qualidades muito em falta nas pessoas nos dias de hoje.

As personagens, Jesse e Celine, decidem interromper seus itinerários originais para perambular livres pelos cenários burlescos de Viena (Áustria) sem objetivo estabelecido ou compromisso, a não ser, em permanecer juntos, tentando se aproximar, se conhecer e pertencer um ao outro, inconscientemente esperando pelo milagre de tornar o dia infindável.

Um dos momentos que considero mais sensível e marcante do filme é quando ocorre um retrocesso de imagens dos lugares onde as personagens estiveram antes. No decorrer dessas cenas é possível recorrer à memória e rever todo o percurso do roteiro, de forma não linear, apenas através de cortes consecutivos. Quadros que exibem os traços e sinais deixados por eles de forma sutil, como se fosse uma maneira de mostrar que tudo foi ali e permanecerá ali, naqueles lugares e neles sempre. Porém, esse retorno, conduz o espectador não para o inicio do filme e sim de volta para o foco em Jesse (num trem ) e Celine (em outro trem) seguindo em posições opostas seus caminhos de volta para casa.

Apesar de, atualmente, as pessoas definirem que relacionamentos são como mercadoria, com prazos de validade definido. A despeito do sexismo. A fugacidade das paixões. A frivolidade dos encontros (ou desencontros) haja espaço nessa atmosfera viciada de clichês, no cinema e na vida, para que alguns tenham a chance de confirmar sentimentos legítimos um pelo outro, TODO DIA... Para sempre.


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