quarta-feira, 6 de junho de 2012

O VAMPIRO QUE NOS HABITA

André Leite Ferreira

É possível que o inacreditável, incrível e sobrenatural, que não é explicável, aconteça? Quando a tela se abre só consigo pensar nas bandas Darks Bauhaus, Joy Division, The Sister of Mercy, Cabine C, Kafka, Vzyadoq Moe e outras pérolas preciosas da obscura e sombria Músika Nervosa Dark.
Negras florestas abissais guardam castelos misteriosos cheios de limbo e hera que nas profundezas da noite são habitados pelas sombras e pelos fantasmas da noite sem fim. Nosferatu, o vampiro da noite ronda o sono dos justos atrás de sangue e caos para saciar sua Fome de Viver.    
Werner Herzog indiscutivelmente recria nesta sua leitura poética e avassaladora do clássico filme de Murnau e derivado do clássico livro de Bram Stoker, uma atmosfera densa onde o medo e o terror tomam conta da paisagem carregada de cinza tomada pelo delírio e consumida pela peste, tal qual ocorre na música do grupo vzyadoq Moe (A peste escala nosso leito peste), onde a peste escala nosso leito lentamente.
Em 1922, F. W. Murnau trouxe para a tela a alucinante história do Conde Drácula – história narrada pelo escritor inglês Bram Stoker em fins do século XIX – que se tornou uma clássica referência sobre vampiros sanguinários e empaladores. 57 anos após o clássico filme expressionista, Werner Herzog, homenageia o gênio impetuoso e inovador de Murnau – um dos maiores expoentes do cinema expressionista alemão – e ao mesmo tempo, rende uma poética homenagem a obra de Bram stoker que rompeu os séculos e além disso contribuiu para que seja atual até hoje.
Herzog refaz a trajetória do cinema expressionista, muito embora, indo além do mesmo. Nessa empreitada, ele expressa um olhar particular e inovador sobre a própria obra. O cinema de Herzog rompe as fronteiras do mero remaker e se faz novo, autêntico e completamente atual. Herzog, Murnau e Bram Stoker criaram obras atemporais, vivas e pulsantes que se renovam a cada olhar e leitura. Essas obras são dinâmicas como a vida, não estagnaram no tempo e nem no espaço.
A força desta obra cinematográfica encontra-se apoiada na instigante atuação de Klaus Kinski, Isabelle Adjani e Bruno Ganz que levaram o processo artístico a extremos de beleza e precisão. A arte é a própria vida e como tal, não se pode fugir de si mesmo, por mais que isso seja aterrador.
A noite e seus mistérios guardam canções que melhor seria se não as escutássemos. A curiosidade pode nos cobrar um preço muito caro pela surpresa que nos oferece. Rompantes de dor e ódio, feridos pelo orgulho da imortalidade e destituídos de vida e prazer. A morte segue impávida e certeira. A noite se adensa e o som ensurdecedor da sinfonia dos mortos persiste madrugada adentro.
A leitura bem poderia ser social, já que vivemos em uma sociedade que anseia por uma arte realista, mesmo vivendo na virtualidade computacional e nesse caso Nosferatu pode muito bem ser lido como a decadência do mundo ocidental, que para manter-se erguido no poder rouba a vida das pessoas e consome suas forças, escravizando-as e lhes negando o direito de existir dignamente. No entanto, optamos pela leitura a partir da arte com uma conotação poética, envolta na fantasia fantasmagórica que se estende por boa parte da Europa ainda hoje.
A canção, “Bela Lugosi is Dead” cantada pelo grupo inglês Bauhaus é exatamente a imagem que primeiro surge em minhas retinas tão fatigadas. O fantasma encontra-se dentro da gente, tal qual o verme que mais cedo ou mais tarde irá devorar-nos. Essa metáfora abissal e grotesca acompanha-nos constantemente nos passeios frívolos que empreendemos nas florestas negras do sonho. Kafka já havia nos alertado sobre o absurdo escancarado que é a vida. Becket, também. Artaud, idem. Todos os monstros são nossas crias.
Para Kafka, Gregor é a metáfora da vida e do cotidiano. É o nosso lixo e o nosso consumismo que sustenta a barata. Nosferatu, também, é essa metáfora. O monstro vive dentro da gente. Corpo, alma e mente. O que devemos lembrar-nos sempre, é, que em qualquer guerra só existe perdedores – nesse caso as trevas triunfam sobre a luz - e cada um de nós carrega dentro de si um vampiro adormecido, pois, cada um de nós é um Nosferatu em potencial. 



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