O
VAMPIRO QUE NOS HABITA
André Leite Ferreira
É
possível que o inacreditável, incrível e sobrenatural, que não é explicável,
aconteça? Quando a tela se abre só consigo pensar nas bandas Darks Bauhaus, Joy
Division, The Sister of Mercy, Cabine C, Kafka, Vzyadoq Moe e outras pérolas
preciosas da obscura e sombria Músika Nervosa Dark.
Negras
florestas abissais guardam castelos misteriosos cheios de limbo e hera que nas
profundezas da noite são habitados pelas sombras e pelos fantasmas da noite sem
fim. Nosferatu, o vampiro da noite ronda o sono dos justos atrás de sangue e
caos para saciar sua Fome de Viver.
Werner
Herzog indiscutivelmente recria nesta sua leitura poética e avassaladora do
clássico filme de Murnau e derivado do clássico livro de Bram Stoker, uma
atmosfera densa onde o medo e o terror tomam conta da paisagem carregada de
cinza tomada pelo delírio e consumida pela peste, tal qual ocorre na música do
grupo vzyadoq Moe (A peste escala nosso leito peste), onde a peste escala nosso
leito lentamente.
Em
1922, F. W. Murnau trouxe para a tela a alucinante história do Conde Drácula –
história narrada pelo escritor inglês Bram Stoker em fins do século XIX – que
se tornou uma clássica referência sobre vampiros sanguinários e empaladores. 57
anos após o clássico filme expressionista, Werner Herzog, homenageia o gênio
impetuoso e inovador de Murnau – um dos maiores expoentes do cinema
expressionista alemão – e ao mesmo tempo, rende uma poética homenagem a obra de
Bram stoker que rompeu os séculos e além disso contribuiu para que seja atual
até hoje.
Herzog
refaz a trajetória do cinema expressionista, muito embora, indo além do mesmo. Nessa
empreitada, ele expressa um olhar particular e inovador sobre a própria obra. O
cinema de Herzog rompe as fronteiras do mero remaker e se faz novo, autêntico e
completamente atual. Herzog, Murnau e Bram Stoker criaram obras atemporais,
vivas e pulsantes que se renovam a cada olhar e leitura. Essas obras são
dinâmicas como a vida, não estagnaram no tempo e nem no espaço.
A
força desta obra cinematográfica encontra-se apoiada na instigante atuação de
Klaus Kinski, Isabelle Adjani e Bruno Ganz que levaram o processo artístico a
extremos de beleza e precisão. A arte é a própria vida e como tal, não se pode
fugir de si mesmo, por mais que isso seja aterrador.
A
noite e seus mistérios guardam canções que melhor seria se não as escutássemos.
A curiosidade pode nos cobrar um preço muito caro pela surpresa que nos oferece.
Rompantes de dor e ódio, feridos pelo orgulho da imortalidade e destituídos de
vida e prazer. A morte segue impávida e certeira. A noite se adensa e o som
ensurdecedor da sinfonia dos mortos persiste madrugada adentro.
A
leitura bem poderia ser social, já que vivemos em uma sociedade que anseia por
uma arte realista, mesmo vivendo na virtualidade computacional e nesse caso
Nosferatu pode muito bem ser lido como a decadência do mundo ocidental, que
para manter-se erguido no poder rouba a vida das pessoas e consome suas forças,
escravizando-as e lhes negando o direito de existir dignamente. No entanto,
optamos pela leitura a partir da arte com uma conotação poética, envolta na
fantasia fantasmagórica que se estende por boa parte da Europa ainda hoje.
A
canção, “Bela Lugosi is Dead” cantada pelo grupo inglês Bauhaus é exatamente a
imagem que primeiro surge em minhas retinas tão fatigadas. O fantasma
encontra-se dentro da gente, tal qual o verme que mais cedo ou mais tarde irá
devorar-nos. Essa metáfora abissal e grotesca acompanha-nos constantemente nos
passeios frívolos que empreendemos nas florestas negras do sonho. Kafka já
havia nos alertado sobre o absurdo escancarado que é a vida. Becket, também.
Artaud, idem. Todos os monstros são nossas crias.
Para
Kafka, Gregor é a metáfora da vida e do cotidiano. É o nosso lixo e o nosso
consumismo que sustenta a barata. Nosferatu, também, é essa metáfora. O monstro
vive dentro da gente. Corpo, alma e mente. O que devemos lembrar-nos sempre, é,
que em qualquer guerra só existe perdedores – nesse caso as trevas triunfam
sobre a luz - e cada um de nós carrega dentro de si um vampiro adormecido,
pois, cada um de nós é um Nosferatu em potencial.
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