O DESERTO
André Leite Ferreira
Quase sempre nunca sei o que escrever. Lembro sempre do poeta Max Martins, dizendo: o ato da escrita é um exercício trabalhoso, ou seja, de nada depende da inspiração tão propagada pelos poetas da melosidade. Quando vi o filme SONHOS, do cineasta Akira Kurosawa, pela primeira vez, foi como se o sonho adormecido há tanto tempo despertasse em mim; inevitável não pensar nos Beats Jack Kerouac, Gisberg, Burroughs. O delírio está aí, nos diz Kurosawa, logo, sonhar é o exercício de se assumir vivo no mundo. Do punhal às flores é preciso assumir a vida e a morte. E também, devemos estar preparados para todos os acontecimentos. Por momentos, é possível que análises façam com que o filme perca o sentido de arte no meio das demarcações. Mais adiante, o intenso frio do medo e da morte nos espreitam, latidos de cão raivoso soam na entrada e na saída do túnel da vida onde o tempo reina absoluto poderíamos nos calar diante da grandiosidade da empreitada desta obra de arte que longe de qualquer comportamento comum perpassa a obra de Van Gogh cheio de desejo e cujo olhar havia se encantado pela vida. A lírica poético-cinematográfica de Kurosawa soa como um TROVÃO aos nossos olhos daí Artaud dizer que, Van Gogh foi um suicidado pela sociedade, não um suicida. Macunaíma surreal nas florestas tropicais da Amazônia, não sei se posso aqui particularizar o delírio da obra produzida por Akira, que para mim é um divisor de águas na postura cinematográfica do olhar. É de certa maneira um exercício do belo que transcende as barreiras da complexidade e nos atira no meio do sonho. Há necessidade de assumir o real que nos rodeia, além do mais, o grito silencioso da madrugada ainda ecoa na minha cabeça e de nada adianta se perder em Paris ou em qualquer outro lugar. Os sonhos de Jack kerouac cheios de vida real atravessam minha memória junto aos sonhos do Kurosawa ou dos delírios sonhadores do poeta Jim Morrison ou mesmo o atravessamento letal da guitarra de Hendrix. A esterilidade das análises não cabe no poema, diria Max, assim como, disse Kurosawa no filme. Dessa maneira, arrancar a máscara pode também ser recolocá-la em outro totem. Nos delírios de Glauber ganhou a arte, a poesia, o cinema, o Brasil, o mundo, já que tudo se renova na natureza.
Que o olhar possa se renovar a cada pequena grande surpresa do caminho, da cidade, da vida. O desejo corrói o peito e dilacera minhas vísceras, o impacto de assumir-se diante da imensidão e da dureza. Em dias assim, sempre tem arco-íris, talvez encontremos o portal. Acima de tudo, o importante é caminhar firme e decidido para não perder-se de si, mesmo, que a neve insista. É preciso resistir. Adormecer pode significar o fim. Mas também, o início de uma nova vida, quase sempre tão doce quanto amarga. Porém mesmo assim, deve ser experimentada. Quase sempre, eu não sei o que escrever, como agora, que apenas o desejo me guia. Às vezes esta tentativa pode ser ignorada, e aí, recomeçamos tudo outra vez. A arte de sonhar é a arte de olhar, é a arte de registrar no fundo de si, as marcas do universo em uma verdadeira expansão, do eu, de nós, do tudo, do fruto, do fim, do desejo, do sim. “É ser iluminado por tudo que existe no mundo” e é o caminho de Buda que leva a si mesmo, o deserto sou eu.